A culpa materna é uma constante na vida de muitas mulheres. Parece que não importa qual seja a sua escolha, a mãe sempre irá carregar um peso de cobrança pelas suas decisões.
Amamentou? Culpada pelo bebê ser muito dependente do contato físico. Não amamentou? Culpada por privar o filho do leite materno. Ou seja, não importa o caminho escolhido. A culpa está ali, sorrateira, pronta para atacar.
A psicóloga e educadora parental da Clínica Regar Raquel Müller destaca: “Viemos de uma cultura, um ambiente com suas regras sociais, que influencia diretamente na forma como nos constituímos. Introjetamos, a partir deste ambiente, de nossas vivências e conhecimentos, uma maneira de maternar, que inclusive pode estar desconectada da real maternidade que iremos vivenciar”.
A profissional complementa que isso cria uma “concepção de maternidade idealizada, fantasiosa, acaba se chocando com a dura realidade do dia-a-dia, onde a mãe necessita abandonar o que deveria ser, para o que é possível ser”. É aí que nasce a culpa, nas expectativas criadas com o maternar.
Culpa materna no puerpério
Nos primeiros meses de vida do bebê isso pode ser ainda mais intenso. O puerpério é uma fase delicada e que exige muito da mulher, física e mentalmente. O corpo passa por uma série de mudanças. Hormônios, emoções, exaustão. Uma combinação perfeita para potencializar toda e qualquer culpa existente, ainda mais em mães de primeira viagem.
Parto, amamentação e sono do bebê costumam ser alguns dos principais pontos relacionados com a culpa materna nos primeiros meses do bebê. Isso porque são aspectos delicados do maternar e que cada família tem a sua experiência, algumas mais positivas e outras nem tanto.
No entanto, é fundamental estar atento aos sentimentos ligados com a culpa no pós parto. Raquel lembra: “A culpa vivenciada, não acompanhada, não compreendida e não acolhida pode trazer inúmeros prejuízos no pós parto, como o adoecimento psíquico desta mãe”.
Aqui estamos falando de baixa auto-estima, tristeza, desânimo e até depressão pós-parto. Aspectos que podem prejudicar a vivência da maternidade, os cuidados com o bebê e inclusive demandarem acompanhamento médico e/ou psicológico.
Como se livrar da culpa
Como deixar a culpa materna de lado para viver um puerpério mais leve e tranquilo? Confira 4 dicas para ter sempre em mente:
1 – Aceite ajuda
Muitas vezes o sentimento de culpa no puerpério está relacionado com a exaustão. Cuidar de um bebê recém-nascido não é fácil! É um trabalho integral intenso, tanto no aspecto físico (dar colo, dar banho, amamentar, etc) quanto no emocional (decifrar o choro, ser paciente, trabalhar no vínculo entre mãe e bebê, e por aí vai).
Então é normal chegar ao fim do dia absolutamente esgotada por uma rotina em torno de fraldas e sonecas. Ainda mais quando o sono dos pequenos ainda não é regular (não deixe de conferir também nossas dicas essenciais para o sono do RN). Inclusive porque em muitos casos não é só isso que consome a cabeça das mães.
Responsabilidades financeiras, cuidados da casa, filhos mais velhos, preocupações de trabalho (mesmo em licença maternidade muitas mulheres não se desligam totalmente das suas funções, o mesmo ocorre com as que são mães e empreendedoras). Ou seja, uma enorme carga mental somada ao bebê tão frágil e que demanda tanta atenção.
É aqui que a culpa bate na porta e para deixá-la do lado de fora você pode (e deve!) pedir ajuda. Divida as responsabilidades em casa, aceite uma ajudinha extra com o bebê ou mesmo com os filhos mais velhos.
Não tenha receio de pedir ajuda para pessoas próximas e de confiança, como amigos ou familiares. Às vezes um pequeno respiro é tudo que você precisa para renovar as energias e seguir em frente com um novo fôlego.
No meu caso lembro que ficava ansiosa para o meu marido voltar do trabalho e eu poder sair, nem que fosse para comprar um pacote de fralda na farmácia! Era meu momento, sozinha, para respirar. Mesmo que por 15 minutos, era essencial para mim sair daquele ambiente do puerpério onde eu tinha a impressão de não me pertencer mais.
2 – Cuide de você
O autocuidado tem sido um assunto recorrente quando falamos sobre maternidade (leia também nosso artigo Como voltar a cuidar de si depois da chegada do bebê). Isso porque só conseguimos cuidar de outra pessoa quando estamos bem com a gente mesma.
Mas o que é autocuidado? Cada pessoa terá a sua própria resposta. A chave aqui é um momento para relaxar e se sentir bem consigo mesma. Alguns exemplos e sugestões:
- Prática esportiva: correr, fazer yoga, pilates, etc.
- Cuidados relacionados com vaidade: fazer as unhas, cortar o cabelo, marcar uma massagem relaxante.
- Sair um pouco de casa: tomar um café com uma amiga, ir ao cinema, caminhar num parque.
- Um hábito ou hobbie: ler, tomar um banho de espuma, bordar, pintar, etc.
- Você não consegue sair de casa ou deixar o bebê com alguém? Então peça uma comida que seja do seu agrado (como aquele japonês proibido na gravidez!), assista um filme ou série, tome um banho mais demorado enquanto o bebê dorme.
Tirar um tempo para si vai fortalecer o emocional da mãe e com isso ela se sentirá mais tranquila para viver a sua própria maternidade.
A psicóloga Raquel enfatiza a importância do autocuidado para um maternar sem culpa: “Saber que necessitamos cuidar de nós mesmas, seja mantendo alguns hábitos que nos fazem bem e que necessitam ser mantidos, seja reservando um tempo para nosso usufruto, ainda que seja para fazer nada ou aquilo que bem entendermos”. Isso é fundamental para uma maternidade mais leve e sem tanta cobrança.
Parece desafiador no pós-parto, quando nos sentimos equilibrando vários pratinhos e sem tempo para nada? Sem dúvidas! Por isso comece devagar e vá ajustando a sua realidade. Talvez nem sempre seja possível, mas faça um esforço para encaixar na rotina familiar e considerar uma prioridade, porque os benefícios realmente compensam quando o assunto é a saúde mental da mãe.
Minha primeira saída sem minha filha, Ambre, foi para comer um sorvete com 4 amigas entre duas mamadas. Tirei uma foto do momento e até hoje, quando vejo essa foto, fico emocionada em ver aquela mulher que passou corajosamente pelo puerpério e “sobreviveu”! Então, não deixe de admirar você mesma por tudo que você faz! Ser mãe é um desafio enorme.
3 – Escolha as suas lutas
Não podemos abraçar o mundo! Isso vale para todos os aspectos da vida, inclusive para a maternidade.
Hoje em dia existe muita informação e evidências científicas sobre educação e desenvolvimento infantil: disciplina positiva, comunicação não-violenta, neurociência, etc. Se a gente começa a ler tudo que vem pela frente acaba caindo no conto da mãe perfeita, querendo controlar todos os aspectos do dia a dia e, assim, com uma sobrecarga pessoal.
De tal forma, se perdoe e saiba que isso não é saudável. Inclusive porque, para os filhos, é uma aprendizagem valiosa ver uma mãe que erra, tem dúvidas e se questiona.
Eu, por exemplo, sou a mãe que busca informações sobre tudo! Não posso negar! Mas justamente assim que percebi que isso é prejudicial para mim, para minha filha e a família como um todo. Então, agora tento selecionar os meus caminhos e para mim a imperfeição virou o novo “perfeito”.
Por isso, escolha as suas batalhas para não carregar um peso desnecessário nas costas.
Sobre isso, Raquel explica: “Outro ponto são as escolhas que farão parte de nossas vidas. Quando escolhemos, necessariamente abrimos mão de algo que não será possível viver e é desta forma que deve ser. Conciliar tudo, abraçar o mundo como mãe, na busca de uma aprovação externa, com todas as responsabilidades nas costas, é um caminho perigoso e que causa muito adoecimento”.
O desapego com coisas que não cabem nas nossas vidas é uma prática libertadora. Isso porque libera espaço para focar no que é de fato essencial.
Um exemplo. A amamentação não foi como planejado? Acontece e é normal se sentir frustrada por isso. No entanto, aceitar e seguir em frente abre novas possibilidades, como focar em uma introdução alimentar bacana para a família logo ali na frente.
Permita-se curtir cada fase com um olhar gentil para si mesma, porque a mãe também faz parte da história e merece ser contemplada.
Como no início de todo projeto de vida, a gente quer fazer as coisas perfeitamente. Mas conforme o tempo passa aprendemos que a vida é longa e feita de muitos “cacos”, cada detalhe com a sua importância, e que não a define por inteiro. Precisa-se relativizar!
4 – Evite as comparações
Muito da culpa materna habita nas comparações. A grama do vizinho é sempre mais verde, não é assim que dizem? E com as redes sociais isso pode ser extremamente potente, por toda exposição envolvida.
Ainda mais no puerpério, quando muitas mulheres se sentem sozinhas nas intermináveis mamadas noturnas, cochilos com o bebê no colo, etc. As redes sociais acabam sendo um canal de “companhia” e trocas. Mas cuidado para não cair nesse campo das comparações, sejam elas online ou offline.
O bebê da amiga que fala o alfabeto inteiro e conta até 100 com 1 ano e meio. O filho de um conhecido que andou com 10 meses. É fácil se deixar levar por tantos posts celebrando os marcos e as conquistas dos pequenos.
Do ponto de vista da profissional Raquel, lidar com a culpa passa por “se entregar para viver uma maternidade real, imperfeita, repleta de incertezas e possibilidades, tal qual é a existência humana”.
Ela complementa: “A partir desta percepção, devemos ter o cuidado para não pautarmos nossa maternidade naquilo que a sociedade dita enquanto o correto, o ideal. As comparações, podem influenciar e prejudicar drasticamente nosso papel de mãe, gerando uma culpa por não atendermos a um padrão esperado, que nada pode ter a ver com a real necessidade de nossos filhos, por exemplo”.
Pauline